sábado, 23 de julho de 2011

TV Pinel - Rio de Janeiro

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


TV Pinel
Por Júlia Frayha, Laura Valério Duarte Camisão, Letícia Moreira Felix, Marcela Absi Ferraz Freitas e Marina Castana Fenner


Esse trabalho tem como objetivo falar sobre a TV Pinel, uma iniciativa do Instituto Philippe Pinel (IPP), em parceria com o CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular), que surgiu em 1996, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro.

A TV Pinel surgiu com a proposta de reinventar a mídia televisiva através do investimento no trabalho participativo da TV Comunitária. A idealização e a realização de seus programas envolvem pacientes, técnicos e funcionários dos diversos setores do Instituto Philippe Pinel, e uma equipe profissional para cuidar da mídia. Revela-se uma experiência inovadora no campo da saúde mental e da comunicação pois, além de incentivar o trabalho e a capacitação profissional dos usuários dos serviços de saúde mental, faz isso com o uso de tecnologia da imagem. A mídia televisiva serve como importante meio de comunicação, expressão e participação social, e no caso da TV Pinel, auxilia na visibilidade e divulgação dos seus temas de interesse, principalmente a loucura e seu tratamento. A TV comunitária passa a funcionar dentro da instituição psiquiátrica, onde também ocorre a exibição de seus programas.

Em dezembro de 1999, houve a municipalização do Instituto Philippe Pinel e, com isso, a TV Pinel foi compelida a estender seu trabalho à Rede de Atenção Psicossocial e à Rede de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro, o que implicou na capacitação de profissionais e dos usuários da rede pública de saúde na tecnologia e na linguagem da TV Comunitária. Esse evento permitiu a construção de uma identidade positiva no que diz respeito aos dispositivos de tratamento em saúde mental preconizados pela Secretária de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro. No ano seguinte, a TV Pinel ganhou um novo parceiro, o Núcleo Imagem na Ação, uma entidade sem fins lucrativos, criada pela própria equipe fundadora da TV Pinel, incentivada pelo CECIP, cujo objetivo é aprimorar a atuação do grupo em projetos que ligam a comunicação comunitária a assuntos de relevância para o Instituto, como a saúde mental, educação e cultura.

Desde sua constituição, a TV Pinel representou um marco tanto para quem trabalha com TV comunitária quanto para os que se dedicam a novas formas de lidar com a Saúde Mental. O projeto, além de capacitar os pacientes do hospital psiquiátrico para uma atividade artística produtiva, faz uso da linguagem televisiva para trabalhar aspectos como a autoimagem, poder, tratamento e normalidade. Isso é possível na medida em que os próprios pacientes criam as pautas e produzem os programas, sob orientação dos comunicadores e educadores do CECIP. Como é explicitado em texto da Escola Nacional de Saúde Pública sobre dos 15 anos de TV Pinel, datado de fevereiro desse ano (2011), é notório como o resultado do projeto incentiva e contribui para a inserção social dos participantes, para o desenvolvimento da sua capacidade de expressão artística e ainda abrange aspectos como a autoestima, questionando os sistemas de poder vigentes - tanto o psiquiátrico em suas diferentes correntes quanto o da mídia, reflexo de valores sociais nem sempre muito saudáveis.

Juntamente com essa iniciativa foi inaugurado um novo campo de possibilidade de visualização da imagem da loucura. Os estereótipos do sujeito louco, freqüentemente divulgados pela mídia, passam a ser diretamente questionados, abrindo espaço para ampliação da visibilidade das formas de existência da loucura. De modo a permitir que os usuários/equipe falem do seu cotidiano, através dos vídeos produzidos por eles próprios, em uma tentativa de inserção nas questões sociais, políticas e culturais do contexto em que vivem. E ainda proporcionar a inclusão como mecanismo terapêutico e de expressão para o sujeito, objetivando divulgar os ideais da Reforma Psiquiátrica, em uma tentativa de sensibilizar a sociedade pela causa do movimento antimanicomial.

Na TV Pinel, é possível visualizar uma demanda pela aceitação social do louco e, levando em consideração que o louco existe pela negatividade de sua inserção social, essa criação de condições para a sua reinserção abre espaço para uma localização social positiva. Além disso, a oportunidade de “desmistificação da imagem da loucura” (GRECO, 2008) permite uma demonstração do que o louco pode dizer de si, e o que pode ser dito do louco, como princípio de desfacelamento da visão mitificada historicamente a partir de uma recontextualização do louco como objeto de olhar. Nesse caso, os pacientes psiquiátricos demonstram sua possibilidade de inserção social, interagindo com o público em entrevistas, interpretando personagens, dando depoimentos acerca de seu processo de reabilitação.

O principal pressuposto definidor da marca representada pela TV Pinel é a sua relação com a luta antimanicomial. A TV produz seus programas com funcionários e usuários do IPP, sendo que os usuários que efetivamente fazem parte da equipe são remunerados pelos seus serviços. O formato é de uma revista televisiva, com uma linguagem própria, onde se alternam programas de humor e paródia e reportagens sobre a luta antimanicomial. Essa iniciativa pode ser reconhecida como uma ação voltada para a construção imaginária de identidade para os pacientes da instituição psiquiátrica que abriga o projeto e também como meio de intervenção em relação ao lugar que estes ocupam no imaginário social.

Os programas são produzidos trimestralmente (interrompidos em períodos de dificuldade financeira), e a exibição acontece no auditório da instituição e em praça pública (duas vezes ao ano). Os programas também são veiculados no canal comunitário da Net-Rio e Canal Saúde, exibidos pela TVE, além de constantemente serem objetos de reportagem da grande mídia (Canal Futura, TVE e Rede Globo, além da mídia impressa).

A TV Pinel atua como um importante instrumento de intervenção cultural no contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira, alcançando repercussão tanto nacional quanto internacional. Tal repercussão é importante para dar visibilidade ao projeto, além de servir como um reconhecimento público das dificuldades e dos avanços enfrentados pelos seus usuários, que se vêem ocupando um lugar diferente na sociedade, um lugar de sujeito e não mais dejeto.

As modificações propostas pela Reforma Psiquiátrica só serão levadas à ação se as mesmas forem acompanhadas por um processo de desconstrução de mentalidades, de modificação da cultura naquilo que diz respeito às representações sociais da loucura. O interesse não é criar novas formas de terapia ou novos métodos de internação para os portadores de sofrimento mental, mas possibilitar maior qualidade de vida e oportunidades de desenvolvimento, tanto na área profissional (trabalho, emprego, estudo etc.), quanto na área pessoal (moradia, lazer, relacionamentos etc.). “Daí a dupla importância de um projeto como a TV Pinel: a de servir de lugar de realização de novas possibilidades de existência para os pacientes e, simultaneamente, de instrumento desmistificador da loucura junto à sociedade - um instrumento de intervenção cultural”. (INSTITUTO PHILIPPE PINEL).

No presente ano, a TV Pinel completa 15 anos e comemorou a data com a exposição “15 anos de loucura na TV Pinel”, que esteve em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal. O documentário “O que tem debaixo do tapete do hospício?” também integra as comemorações, uma vez que reúne entrevistas com usuários, diretores de teatro e profissionais de saúde mental que foram importantes desde a sua fundação. A própria TV Pinel foi responsável por esta produção, que marca a trajetória do projeto.

Por fim, podemos concluir que esses 15 anos de trajetória da TV Pinel, são 15 de uma história de sucesso de um trabalho que efetivamente realiza o que se propôs a realizar. É um lugar de novas possibilidades tanto para o paciente quanto para a comunidade, que permite uma maior compreensão do que é a loucura e de como podemos lidar com ela, além de ser também produtivo para os pacientes que nesse projeto tem a possibilidade de se reinserir na comunidade.



Referências

ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA - Sérgio Arouca. ENSP participa dos 15 anos da TV Pinel. Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/portalensp/informe/materia/index.php?origem=9&matid=24209 . Data de acesso: 26 de abril de 2011.
GRECO, M. G.; PINTO, J. M.. Olhas-me sou: a TV a serviço do eu. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online]. São Paulo, v. 11, n. 2, June 2008.
INSTITUTO PHILIPPE PINEL. TV Pinel. Disponível em: http://www.saude.rio.rj.gov.br/hospitais/pinel/media/pinel_tv_pinel.htm . Data de acesso: 26 de Abril, 2011.
MIRANDA, Luciana Lobo. Consumo e produção de subjetividade nas TVs comunitárias. Rev. Dep. Psicol., UFF [online]. 2007, vol.19, n.1, pp. 199-213

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