quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Experiência de Sobral - CE

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


A Experiência de Sobral - CE
Por Aline Souza Martins, Bárbara Oliveira Paulino, Gracielle Machado, Laura Facury Moreira, Maria Angélica Tomás, Marine Queiroz

A experiência de Sobral ocorreu no final do século XX em uma cidade que dá nome ao movimento, localizada na região noroeste do estado do Ceará. Desde a década de 1980, o Brasil se tornou palco de manifestações contra o modelo asilar e opressor até então encontrado. O tratamento desumano destinado às pessoas atendidas nas instituições hospitalares foi aos poucos revelado. Concomitante a esses acontecimentos, a cidade de Sobral se deparou em outubro de 1999 com um incidente que desencadeou o que se chama atualmente de experiência de Sobral. Na Casa de Saúde Guararapes faleceu sem causalidade declarada o paciente psiquiátrico, Damião Ximenes Lopes. Esse fato convocou a atenção dos familiares, da sociedade civil e de instâncias públicas. As ações decorrentes dessa sensibilização se centralizaram no conhecimento e fiscalização dos espaços voltados para o atendimento dos casos de saúde mental. Logo surgiram denúncias de maus-tratos, espancamentos e abuso sexual como sendo atos rotineiros dentro da Casa de Saúde. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde do município decretou intervenção no manicômio através da qual se constatou condições física, terapêutica e financeira precárias. Como reação, nomeou uma Junta Interventora na tentativa de realizar um trabalho com esses sujeitos.

O caso de Damião Ximenes foi um exemplo lamentável da situação dos pacientes de saúde mental em Sobral e no Brasil. Em 1º de outubro de 1999 a mãe do paciente Albertina Ximenes o internou na Casa de Repouso Guararapes, três dias depois retornou a clínica para visitá-lo e o encontrou sangrando, com escoriações e hematomas pelo corpo, sem roupa e com as mãos amarradas. O medico responsável e diretor do hospital quando requisitado apenas prescreveu a medicação sem sequer examinar o paciente. Horas depois a família foi informada do falecimento de Damião. A irmã do paciente, diante da impunidade a que ficou relegado o fato, denunciou a morte do irmão (junto com entidades parceiras da Luta Antimanicomial) à Comissão Internacional de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Mesmo sendo a primeira vez que o Estado brasileiro foi denunciado a uma instância internacional por morte de paciente psiquiátrico e condenado a pagar indenização e investigar os fatos até a data de 11 de maio de 2010 nada foi feito.

Diante da urgência de intervenção no modelo asilar utilizado anteriormente, foram criados um ambulatório incipiente e uma unidade de internação psiquiátrica, que tentavam se pautar pela nova estrutura implantada pelo modelo de Estratégia de Saúde na Família. Ao fim da intervenção que descredenciou a Casa de Saúde, foi implantada a Rede de Atenção Integral à Saúde Mental de Sobral, que contava além dos médicos, com profissionais de diversas áreas, como psicologia, terapia ocupacional, educação física, etc. Na tentativa de ressignificação e desmistificação da loucura, a proposta era de um atendimento não excludente e integrador do portador de sofrimento mental, que recorresse menos à internação e buscasse restabelecer a identidade social e dignidade humana dos pacientes, perdidas em anos de exclusão. No ano 2000, o ambulatório foi transformado em um CAPS, nos moldes da Reforma Psiquiátrica e a unidade de internação foi deslocada para um hospital geral. Foi criada ainda uma Residência Terapêutica e um Ambulatório Regional de Psiquiatria, este último voltado aos moradores de municípios vizinhos que não possuíam estrutura atenção secundária à saúde mental. Em 2002 foi criado o CAPS-AD para o atendimento aos usuários de álcool e outras drogas. Foram implantadas ainda ações de supervisão e preceptoria dentro do Programa de Saúde da família.

A Revista de Políticas Públicas de Sobral/CE chamada SANARE (tornar sã, em latim) é uma revista do município de Sobral/Ceará que divulga toda e qualquer experiência, prática e teórica, em políticas públicas. Isto é, propostas sociais que transformam positivamente a vida das populações. Foi realizado um volume especial de atualização da revista (2005/2007) no qual foram descritas experiências na área da saúde mental na cidade após as transformações desencadeadas pela experiência de Sobral. Os artigos dessa edição iniciam com três relatos da experiência que visam explicitar como o princípio da integralidade é valorizado na prática cotidiana da RAISM (Rede de Atenção Integral à Saúde Mental de Sobral). Os artigos foram, em sua maioria, produzidos por alunos do curso de especialização em Saúde Mental entre 2005 e 2006 que foi promovido por financiamento do Ministério da Saúde.

A experiência de Sobral é tão marcante para o cenário do movimento antimanicomial pois delineia como objetivo primordial a inversão do modelo hospitalocêntrico e exemplifica uma aplicação muito eficaz do serviço de atenção básica à saúde, de acordo com as diretrizes principais do Sistema Único de Saúde. Houve uma implantação muito rápida de uma rede municipal de Saúde Mental, entre a denúncia em 1999 e o fechamento do Hospital em 2000, e há um crescimento continuo e eficaz desta estrutura. A solidificação do formato do matriciamento também concede a essa experiência um caráter singular. O que anteriormente era de domínio e responsabilidade apenas dos psiquiatras passa a ser compartilhado por uma equipe multidisciplinar que permite que a atenção primária a saúde “possa acolher de forma efetiva, pacientes provenientes dos CAPS que receberam alta parcial ou total para algum tipo de acompanhamento na Equipe de Saúde da Família”.




Referências
Saúde Mental na Corte Internacional de Direitos Humanos. Disponível em: http://global.org.br/programas/a-saude-mental-na-corte-interamericana-de-direitos-humanos/. Acesso em 27 abr 2011.
TOFOLI, L. F.; FORTES, S.. Apoio Matriarcal de saúde mental na atenção primária no município de Sobral, CE: o relato de uma experiência. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2011.
PEREIRA, A. et al. A desconstrução do manicômio: a experiência de Sobral/CE. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2011.
TOFÓLI, L. F. F.. Depoimento: Saúde Mental em Sobral: 2000-2005 Cinco anos sem manicômios. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2011.
SANARE, Revista de Políticas Públicas. Sobral [CE]:Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, 2005/2007. Disponível em: http://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2367.pdf. Acesso em: 27 abr 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário