segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Casa - São Paulo

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


A Casa
Por Celso Gonçalves, Madalena Gomes, Nathiéle Araújo, Patrícia Silva, Patrícia Tavares


A noção de loucura encontra-se intimamente relacionada a fatores históricos, podendo se encontrar nas diferentes épocas as mais diversas conceituações para este fenômeno.

Na Grécia Antiga, a loucura era concebida como um saber divino, em que os loucos eram considerados como mensageiros dos Deuses e como aqueles que mais se aproximavam dos mesmos. Por este caráter divino, a loucura não era concebida como algo passível de controle ou exclusão, mas como instrumento de intermediação entre os homens e os Deuses.

A Idade Média, assinalada por uma sujeição completa ao divino, em que todas as pragas e pestes que se abatiam sobre os homens eram vistos como punição de Deus a estes, inicia o período de exclusão da loucura, que é marcada pela criação dos leprosários e pela figura da Nau dos Loucos, que se caracterizavam por embarcações que saiam das cidades a um destino incerto, onde eram colocados aqueles sujeitos tidos como errantes a quem a sociedade não mais queria entre si.

"A navegação entrega o homem à incerteza da sorte; nela, cada um é confiado ao seu próprio destino; todo embarque é, potencialmente, o último. É para outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca". (Foucault apud Rolim)

Tal concepção da loucura como algo a ser excluído também se encontra associada ao fascínio que esta exercia sobre os homens, pois a loucura não se coloca apenas como um elemento a ser excluído por um desejo de higienização e controle social, mas como aquilo que se renega porque fascina ao se reconhecer como algo de si mesmo, tendo seu mistério encontrado representação na arte Renascentista ao final da Idade Média.

"A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aos mistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucura não diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdade que ele distingue de si mesmo.’’

A Idade Moderna, marcada pela ascensão da burguesia como classe econômica dominante, também garante uma nova perspectiva sobre a concepção da loucura. Tal período é marcado, contrariamente a Idade Média, por uma valorização do trabalho e do acúmulo de riquezas, sendo a noção de produtividade colocada como fator de excelência na sociedade moderna.

Assim, aqueles que não conseguissem tomar parte na produção, na circulação ou no acumulo de riquezas eram considerados como inúteis dentro do que se proponha esta nova sociedade, sendo por isto passíveis de processos de exclusão e isolamento por parte desta sociedade.

Sendo assim, é neste contexto de improdutividade que a loucura se coloca, sendo excluída e isolada juntamente aqueles considerados incongruentes ao paradigma social proposto. É ainda neste contexto que se fortifica a estabelecimento de instituições de internação, sendo estes concebidos não como instituições destinadas ao tratamento destes sujeitos, mas como depósitos humanos, onde os trabalhos forçados serviam como punição e controle moral a ociosidade, auxiliando no processo de higienização, disciplinarização e controle social.

A Idade Contemporânea é então marcada por uma apreensão da loucura pelo conhecimento psiquiátrico e por uma concepção da mesma como patologia. “O médico, representante de um saber científico, é aquele que pode legislar sobre os sujeitos despossuídos de razão.’’ Sendo assim, a institucionalização passa a ter não a função de isolamento, mas uma função terapêutica, ou seja, as instituições psiquiátricas passam a ser o antro de tratamento desta loucura denominada patologia, tendo como expoente Pinel, na França.

Contudo, com a atribuição de tratamento, aos sujeitos que eram destinados a estas instituições eram destituídos de sua condição de sujeito e cidadão, sendo submetidos a condições de existência desumanas e a tratamentos cruéis e de eficácia questionáveis.

Porém, na metade do século XX, marcada pela Segunda Guerra Mundial, inicia-se na Europa um movimento de contestação a estas instituições destinadas a internação, colocando uma crítica ao caráter desumano e a ineficácia terapêutica que tais instituições apresentavam. Tal movimento é então denominado como movimento antipsiquiátrico, tendo seus expoentes na França, pela influência da psicanálise, na Inglaterra, com o surgimento das comunidades terapêuticas que visavam subverter a hierarquia dentro do manicômio e promover um questionamento do saber psiquiátrico e na Itália, com Baságlia, que coloca a loucura como um produto social e prevê que a desinstitucionalização apontará para uma desconstrução dos valores culturais da loucura associada à indigência, a improdutividade e a periculosidade.

No Brasil, ao final da década de 60, essas idéias encontram repercussão na criação das primeiras comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. São nessas comunidades que o recurso do acompanhamento terapêutico começa a ser utilizado.

Em 1979 é criado então, por um grupo de profissionais multidisciplinares, o hospital-dia A Casa, e com ele sua equipe de acompanhantes terapêuticos, tendo como intenção ser uma nova alternativa frente ao enclausuramento da loucura, se colocando em uma posição crítica a fim de evitar se tornar uma nova alternativa de alienação da loucura, buscando desenvolver um encontro desta com a subjetividade, o civil e o social.

O hospital dia A Casa começou a tornar-se uma realidade, depois de anos de pesquisa, quando um grupo inicialmente composto por 20 profissionais, sentiu que reunia condições para dar inicio aos trabalhos de viabilização do projeto de um hospital dia em São Paulo.

O tratamento proposto era em regime de hospital dia e constaria de grupos de psicoterapia, atividades expressivas e terapia familiar. A psicanálise foi elencada como a teoria base de todo a clínica, utilizada como referencial maior. O grupo revela, que naquele momento, no que se referia ao tratamento das psicoses eles sabiam mais o que não se devia fazer do que o que ele queriam fazer. As marcas deixadas pelas instituições psiquiatras axilares deixavam claro o esforço contrario a internação. O tratamento não deveria retirar o paciente de seu convívio social. Assim o tratamento consistiu de dois recursos principais: o ‘amigos qualificados’ que mais tarde foi denominado como ‘acompanhante terapêutico’ e a terapia familiar.

A CASA é um hospital dia que oferece tratamento para pacientes psiquiátricos, especialmente psicóticos. Composto de uma equipe formada de psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e filósofos. Inicialmente tinha por objetivo oferecer atividades de grupo que possibilitassem o convívio entre os pacientes e terapeutas durante cinco dias da semana, sendo que nos outros, o paciente retornava ao convívio familiar.

Com a admissão de um paciente cuja família não morava nas proximidades, a equipe instala o paciente em um apartamento alugado e aloca um profissional que acompanhasse durante os horários em que a instituição estava fechada, auxiliando-o a organizar o apartamento e na realização de atividades externas de lazer. Esse profissional foi nomeado como amigo qualificado. Também outros pacientes em situação semelhante foram aos poucos admitidos no hospital e mais outros profissionais foram responsabilizados desses acompanhamentos. Como um entre eles, não tinha condições de morar sozinho em uma casa, um terapeuta se dispõe a morar com o paciente. Porém esse profissional foi absorvido pela situação e a “intensidade desta convivência provocará uma mistura de mundos tal que paciente e terapeuta se confundiram” (p.232).

Outra denominação foi adotada por causa do mal entendido que o termo amigo qualificado causava; o profissional responsável por um vínculo mais próximo e mais acolhedor passou a se chamar acompanhante terapêutico. Espaços de supervisão foram admitidos de forma regular para apoiar esse trabalho, para instigar que nos trabalhadores envolvidos nessas atividades a necessidade refletir sobre si mesmos, analisar os fenômenos de transferência e contratransferência e retirar um aproveitamento máximo de suas experiências com o paciente de modo a orientar o trabalho.

Algumas ponderações foram construídas nesses espaços de supervisão e são citados pelo autor como pontos importantes de reflexão para o trabalho com esses pacientes em acompanhamento terapêutico. O paciente deveria ser tomado como pertencente a diversos grupos e estruturas que compõe a sua subjetividade. Por isso, sua subjetividade seria grupal e ao estar diante de um outro, o terapeuta por exemplo, haveria um encontro envolvendo um grupo paciente com um grupo terapeuta. As ações do terapeuta deveriam funcionar como interpretações e não como ações aleatórias, ou seja, careciam de um sentido preciso; o que foi nomeado como ação interpretativa. O setting não poderia mais ser compreendido como restrito ao espaço físico, mas implicava essencialmente na presença do terapeuta e do paciente; tratava-se do setting ambulante. As intervenções que visavam “invadir a vontade e a pseudo-autonomia de escolha” dos pacientes, tendo em vista mudanças de vida do paciente foram denominadas como violência necessária. Essas foram idéias que surgiram entre o grupo de acompanhantes para a construção de uma clínica de pacientes psicóticos.

O Acompanhamento Terapêutico é utilizado no Instituto A Casa desde 1982 e é tido como prática que possibilita aproximar o psicótico e seu acompanhante da realidade social, de forma que essa relação pode contribuir pra a terapêutica daquele portador de sofrimento psíquico, a partir de intervenções que englobem tanto a psicose quanto a forma que a loucura afeta e é tratada pela sociedade. O conceito de acompanhamento terapêutico trabalhado neste texto advém da condensação da experiência dos profissionais do Instituto A Casa.

Desta forma, o acompanhante terapêutico trabalha buscando espaços e oportunidades de reinserção daquele indivíduo na sociedade, aproveitando as possibilidades que o psicótico pode oferecer bem como os espaços da sociedade onde isso pode ser incorporado. Ou seja, é restaurar um laço com a sociedade que muitas vezes foi tirado daquele portador de sofrimento mental e que visa muito mais a exploração dos recursos que aquele indivíduo tem no que diz respeito a capacidade criativa e adaptativa do que medidas que tenham a intenção de trabalhar a estrutura psíquica daquele sujeito.

Ao acompanhar o sujeito psicótico na cidade, o acompanhante terapêutico elabora um guia mapeando todos os locais visitados pela dupla e classifica-o de zero a cinco estrelas, tomando como critério a integração do sujeito com o espaço, na medida em quanto favorece a conexão e integração do mesmo à realidade social ali disposta.

A grande importância desse trabalho é a ação do sujeito portador se sofrimento psíquico de ir até esses lugares, que poderão favorecer a sua interação e conexão com a sociedade, de forma que essa relação ao ser minimamente restaurada dá uma vitalidade ao indivíduo que vai distanciá-lo da morte psíquica.

Atualmente o instituto A Casa se apresenta da seguinte forma:

Consultório do instituto casa
A equipe técnica do Ambulatório do Instituto "A CASA" carrega a marca e a filosofia de trabalho dos 29 anos de experiência desta instituição. O Instituto "A CASA", desde a sua fundação, preocupa-se em oferecer um tratamento especializado e moderno. É fundamentado na valorização da pessoa, na subjetividade do indivíduo, nas questões familiares e sociais que permeiam o adoecer psíquico e na inclusão deste cidadão à sociedade.

Tipos de atendimentos
- Individual
- De grupo

Modalidades de atendimentos
- consulta psiquiátrica
- psicoterapia individual
- psicoterapia de grupo
- terapia de casal
- terapia familiar
- consulta domiciliar
- acompanhamento terapêutico
- orientação vocacional e familiar

A quem a instituição presta atendimento?
- adolescentes
- adultos
- idosos

De quem a instituição trata?
- Pessoas com dificuldades pessoais na família, no trabalho, na escola, nos relacionamentos afetivos
-Pessoas com transtorno do pânico e fobias
-Dependentes de álcool e outras drogas
-Familiares de pacientes.

O interessante dessa técnica é o compromisso ético. Assim as idéias abaixo definem bem o que propõe A Casa desde sua concepção e principalmente atualmente.

Os desafios da contemporaneidade impõem aos profissionais de psicologia um posicionamento crítico e a criação de novas formas de intervenção. Com a crise dos modelos disciplinares, tradicionais no campo da saúde, surgem alternativas de tratamento. No livro a rua como espaço clínico, Sereno e Porto definem o acompanhamento terapêutico como a prática de saídas pela cidade, acompanhando o sujeito na circulação social, num esforço de criar marcas, de tecer fios que permitam enlaçá-lo, com sua estrutura psíquica peculiar, ao tecido social. O acompanhamento terapêutico pode ser descrito como uma clínica em ato, onde o setting é a cidade: a rua, a praça, a casa, o clube. Uma clínica onde não só a palavra, mas também o corpo e os gestos contam.

Foucault, Goffman, Castel E Basaglia podem ser apresentados como nomes cruciais na crítica das instituições totais, sobretudo as da área de saúde. Segundo Goffman, a falência da subjetividade através da mortificação do eu é uma das conseqüências da internação de longo prazo nas instituições totais. O autor revela que a sociedade do bem camufla a violência das instituições totais estendendo a concessão do poder aos técnicos. O tecnicismo segundo ele seria o pólo de dominação violenta. Afim de quebrar com o poder da técnica Goffman propõe que as instituições sejam abertas.




Referências:
BERGER, Eliane; MORETTIN, Adriana Victorio e NETO, Leonel Braga. Introdução à clínica do acompanhamento terapêutico: História. In: A Rua como espaço clínico: Acompanhamento Terapêutico. Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia A Casa (org). São Paulo: Escuta, 1991.
FULGÊNIO JR., Leopoldo P. Interpretando a História. Acompanhamento Terapêutico de Pacientes Psicóticos no Hospital-Dia A Casa. in A Rua como espaço clínico: acompanhamento terapêutico. Equipe de acompanhantes terapêuticos do Hospital-Dia A Casa. São Paulo: Escuta, 1991.
VIEIRA, Priscila Piazentini. Reflexões sobre A História da Loucura de Michel
Foucault. In: Revista Aulas. ISSN 1981-1225. Dossiê Foucault. N. 3 – dezembro 2006/março 2007. Organização: Margareth Rago & Adilton Luís Martins. Disponível em http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/24.pdf.
Rolim, Marcos. Ensaios: A nau dos loucos. 1991. Disponível em http://www.rolim.com.br/ensaio2.htm
http://www2.acasa.com.br

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