segunda-feira, 29 de março de 2010

Consumo de crack aumenta urgência por leitos psiquiátricos em hospitais


A notícia é de fevereiro deste ano, não é de Belo Horizonte, mas vale a pena pensar sobre a situação.

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Uma antiga deficiência do sistema de saúde de Bauru, a necessidade de leitos em hospitais para atender doentes em momentos de crise mental, ganha novamente caráter de urgência diante do aumento considerável do número de usuários de crack nos últimos dez anos. Conforme divulgou recentemente o JC, apenas nos últimos cinco anos, triplicou a quantidade de pacientes com distúrbios mentais associados às drogas, principalmente ao uso crônico de crack, atendidos pelo Centro de Atenção Psicossocial a Usuários de Álcool e Drogas (Caps-AD) de Bauru.

Embora não haja levantamento oficial no município sobre o tema, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) avalia que a quantidade de dependentes da droga que procuram o Pronto-Socorro Central (PSC) com alterações comportamentais e psíquicas cresceu sensivelmente, sem que houvesse uma adequação mínima para atender os devidos casos de internação.

“A percepção dos profissionais que atuam no Conselho Municipal de Álcool e Drogas, nas escolas e no PSC é que este é um problema crescente. O crack está substituindo outras drogas, com o agravante de ser mais barato e ter um efeito muito mais devastador sobre o usuário”, afirma o secretário municipal de Saúde, Fernando Monti.

Com isso, os pacientes de Bauru – com transtornos mentais seja pelo uso de crack ou por outros motivos - têm de ser encaminhados à Associação Hospitalar Thereza Perlatti, de Jaú, única instituição na região responsável pelo atendimento de 38 municípios através do Sistema Único de Saúde (SUS). Os poucos que têm condições de arcar com internações em clínicas particulares desembolsam, em média, entre R$ 1 mil e R$ 2 mil a cada mês.

O resultado desse gargalo é fácil de prever e duramente comprovado, há 15 anos, por um autônomo entrevistado pelo JC, cuja identidade será preservada para evitar constragimentos. Pai de um usuário de crack, que chamaremos de Marcelo, ele viu suas relações familiares se desintegrarem em razão da droga.

O filho, de 33 anos, vendeu todos os seus pertences, agrediu verbalmente e fisicamente os pais e chegou até a ser preso por roubo. Sem conseguir um tratamento efetivo para a dependência e para os problemas mentais que vieram como consequência, teve de pôr o próprio filho para fora de casa.

“Não teve jeito. Ele já teve diagnóstico de transtorno bipolar, esquizofrenia e sofre com surtos. Agora ele dorme no quintal, só entra em casa para comer e tomar banho. Senão, ou quebra tudo o que tem em casa ou leva para trocar por crack. É uma sensação de impotência e tristeza que não tem tamanho”, lamenta.

Na semana passada, Marcelo foi voluntariamente ao PSC para tentar uma vaga no Thereza Perlatti. Em vão. Foram longos oito dias de espera dentro da unidade e sete solicitações dos médicos que o avaliaram, todas devidamente documentadas, conforme destaca a SMS.

“O médico do Pronto-Socorro disse que a espera por uma vaga de internação no Thereza Perlatti não seria menor do que quatro meses. E, assim como meu filho, mais cinco pessoas estavam na mesma situação, aguardando há dias. É um absurdo, tive que trazê-lo de volta para casa”, reclama o autônomo. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado da Saúde nega que o pedido tenha chegado à Central de Regulação de Vagas da pasta.

De acordo com o pai de Marcelo, todos os caminhos para encontrar um tratamento adequado e efetivo para o filho já foram buscados. “Tentei até uma internação judiciária, mas não consigo porque o juiz requer uma negativa de vaga do hospital aqui em Bauru e todo mundo diz que é impossível. Quando a gente mais precisa de ajuda, não consegue. É uma luta que começa perdida”, relata.

Diariamente, Marcelo toma 14 comprimidos de quatro tipos de medicamento diferentes para controlar as crises e faz tratamento no Caps-AD, mas nunca conseguiu se livrar do hábito. Segundo Monti, embora a instituição seja importante para o tratamento dos doentes, ainda possui uma eficácia modesta diante do poder do crack sobre os usuários. “Mesmo com tratamento no Caps ou em comunidades terapêuticas, o índice de reingresso no uso da droga é altíssimo”, salienta.

Leitos não solucionam problema, mas ajudam

Embora saliente que a criação de leitos para internação psiquiátrica de usuários de crack não seja capaz de resolver todo o problema da drogadição, o secretário municipal de Saúde, Fernando Monti, acredita que as vagas seriam capazes, ao menos, de dar algum suporte para as famílias em momentos extremos de crise. “Nessa hora, a internação por alguns dias diminuiria o transtorno às famílias e ajudaria o doente a se recuperar daquela situação de fragilidade, mas não serviria para reabilitá-lo”, considera.

A postura adotada pela secretaria está em consonância com o movimento antimanicomial que, ainda hoje, luta contra as chamadas internações prolongadas, situação em que o paciente com psicose grave ou um transtorno metal leve, fica, às vezes, por anos isolado em hospitais psiquiátricos ou manicômios. Atualmente, em Bauru, não existe mais hospital especificamente para pacientes com transtornos mentais e o atendimento àqueles que dependem do crack é feito no Centro de Atenção Psicossocial a Usuários de Álcool e Drogas (Caps-AD).

A atual reivindicação da Luta Antimanicomial é a criação de leitos para pacientes com transtornos mentais em hospitais gerais como o de Base ou o Manoel de Abreu. No entanto, a utilização dessas vagas serviria apenas para sanar uma situação imediata e deveria ser acompanhada de tratamento permanente com o paciente convivendo em sociedade.

“É um equívoco muito grande colocar pessoas dependentes de drogas em hospitais psiquiátricos. O histórico mundial a respeito de instituições que isolam indivíduos da sociedade tem sido muito negativo”, alerta o professor de psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Celso Zonta, um dos precursores da luta antimanicomial em Bauru.

Mas, para que as unidades hospitalares já existentes possam receber esses pacientes com demandas tão específicas, ele salienta que seria necessário um preparo adequado tanto das dependências das instituições quanto das equipes de profissionais. “Porém, vale lembrar que de nada adianta ter todo esse espaço apropriado se o dependente químico não quiser o tratamento. Internação compulsória é algo que a gente já sabe que não funciona”, frisa.

Enquanto o Estado não provê o atendimento adequado nos hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a Secretaria Municipal de Saúde mantém convênio com uma comunidade terapêutica em Votorantim para receber e tratar pacientes adolescentes usuários de drogas. “Esse convênio foi feito de forma emergencial em razão da demanda que existe aqui. Temos o desejo de ter uma entidade como esta em Bauru, mas ainda estamos discutindo essa proposta”, observa.

Não há previsão

Consultada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde informa que não há previsão nem discussão em andamento para a implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais de Bauru. Segundo apurou o JC, no ano passado, antes do escândalo que resultou na Operação Odontoma, a Associação Hospitalar Bauru (AHB) discutia com o município a possibilidade de ceder uma área do Hospital de Base que serviria como retaguarda ao Pronto-Socorro Central. Entre os leitos que seriam disponibilizados, estariam vagas para atender os casos de transtornos mentais, incluindo os provocados pelo uso contínuo de drogas.

Autor: Tisa Moraes

sábado, 13 de março de 2010

Conferências de Saúde Mental em Belo Horizonte

De 27 a 30 de junho de 2010 será realizada a IV Conferência Nacional da Saúde Mental – Intersetorial, e para que a conferência ocorra da melhor maneira possível, os Municípios e Estados do Brasil já estão se organizando. A III Conferência Municipal de Saúde Mental – Intersetorial de Belo Horizonte ocorrerá nos dias 22, 23 e 24 de abril na UNI-BH, Rua Diamantina, 567 – Bairro Lagoinha. E já temos as datas de quase todas as Conferências Distritais*:


Pampulha
Dia 27 de março, de 8h às18h
Local: Escola Municipal Dom Orione
Rua Expedicionário Benvido Belém de Lima, 500, São Luiz

Noroeste
Dia 26 de março às 19h e dia 27/03 de 8h às 17h
Local: Auditório da URS Padre Eustáquio
Rua Padre Eustáquio, 1951, Padre Eustáquio

Norte
Dia 27 de março
Local: Auditório da Secretaria de Administração Regional Norte
Rua Pastor Muryllo Cassete, 85, São Bernardo

Nordeste
Dia 09 de abril, de 11h às 18hs e 10 de abril de 8 às 17h
Local: PUC São Gabriel

Barreiro
Dia 09 de abril, de 17h às 22h e 10 de abril, de 7h às 18h
Local: Escola Municipal Isaura Santos
Rua 20, Santa Cruz

Leste
Dia 10 de abril
Local: Escola Municipal Santos Dumont
Avenida Mém de Sá, 600, Santa Efigênia

*As regionais Oeste, Venda Nova e Centro-Sul ainda não têm datas e locais definidos.

Segundo seu regimento, a IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial terá como tema central: “Saúde Mental direito e compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios”, e este tema será discutido a partir de três eixos temáticos:

I - Saúde Mental e Políticas de Estado: pactuar caminhos intersetoriais
II - Consolidar a rede de atenção psicossocial e fortalecer os movimentos sociais
III – Direitos humanos e cidadania como desafio ético e intersetorial


Você pode encontrar mais notícias na página do Ministério da Saúde. E assim que tivermos novas informações divulgaremos aqui! Fiquem atentos e participem!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Os dez mandamentos da observação participante

Temos aqui um interessante texto a respeito da observação participante, que a Priscila nos enviou. Segundo Izabel, é bom que todos nós tenhamos sempre em mãos esses dez mandamentos durante a realização da pesquisa!

O texto, que é uma resenha do livro “Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada”, foi escrito por Licia Valladares, professora de Sociologia da Universidade de Lille 1 e membro do Laboratório Clerse/CNRS. No Brasil, ela é pesquisadora associada do Iuperj.



William Foote WHYTE. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. 390 páginas.

Enfim o leitor brasileiro tem acesso a Street corner society de William Foote Whyte, um clássico dos estudos urbanos, obrigatório em todo curso de métodos qualitativos e pesquisa social. Gilberto Velho, autor da apresentação e responsável pela coleção "Antropologia Social" da Jorge Zahar, tomou a iniciativa de fazer traduzir a edição de 1993, comemorativa dos cinqüenta anos da primeira publicação do livro. A primorosa tradução inclui anexos que o próprio autor foi acrescentando nas várias reedições do livro, referentes à prática do trabalho de campo, ao depoimento de um dos personagens e à sua lista de publicações. Além de um índice remissivo, peça rara entre as publicações brasileiras, mas de uso fundamental quando se quer realizar uma leitura compreensiva de uma obra.

Originalmente publicado em 1943, o texto é não apenas atual pela temática que aborda – a juventude, a organização social das gangs e dos bairros pobres –, mas também um livro fundamental para aqueles que fazem trabalho de campo nas cidades, realizando o que os norte-americanos denominam anthropology at home. É também de grande importância para os sociólogos urbanos que cada dia aderem mais aos métodos qualitativos e aos estudos de caso e se interessam pelo tema das redes sociais, da juventude, da política local e da territorialização da pobreza. O subtítulo – A estrutura social de uma área urbana pobre e degradada – chama a atenção para a importância atribuída pelo autor aos temas da estrutura e da mobilidade social, normalmente considerados temáticas próprias da sociologia.

William Foote Whyte, filho de classe média alta norte-americana, pesquisou nos anos de 1930 uma área pobre e degradada da cidade de Boston, onde morava. Conhecido como um dos slums mais perigosos da cidade e sobre o qual circulavam várias idéias preconcebidas e estigmatizantes, o bairro italiano é pouco a pouco "desbravado" pelo aprendiz de pesquisador que apenas o conhecia por "ouvir dizer". Ao mesmo tempo em que se insere na localidade e vai redefinindo os objetivos de sua pesquisa, dá tropeços no convívio com os moradores, aprendendo a pensar e a refletir sobre a natureza de suas relações com os informantes. Aos poucos vai sendo aceito, muda-se inclusive para Cornerville, mas se dá conta de que é fundamental poder contar com um intermediário para realizar sua observação. "Doc", termo que define um informante-chave, simboliza esse mediador, que garante o bom acesso à localidade e/ou ao grupo social em estudo. Desempenha também o papel de conselheiro e "protetor", defendendo o pesquisador contra as intempéries e os imponderáveis próprios ao trabalho de campo. Após três anos de convívio e familiaridade com os diferentes grupos informais e instituições que atuavam e estruturavam a área (clubes sociais, centro comunitário, organizações informais etc.), Foote Whyte deixou o bairro para dedicar-se à difícil tarefa de redigir sua obra. Saída difícil e dolorosa para o observador participante, mas facilitada pelo fato de o jovem pesquisador mudar-se para Chicago, onde se inscreve como aluno de doutorado na universidade onde Robert Park havia bem marcado sua passagem.

Para além do interesse temático, este livro constitui um verdadeiro guia da observação participante em sociedades complexas. Minha opção será a de insistir na contribuição metodológica do autor, tendo em vista a verdadeira "moda" no Brasil de estudos de caso em "comunidades carentes" ou em territórios urbanos demarcados social e geograficamente.

Dez "mandamentos" podem ser depreendidos da leitura do livro:

1) A observação participante, implica, necessariamente, um processo longo. Muitas vezes o pesquisador passa inúmeros meses para "negociar" sua entrada na área. Uma fase exploratória é, assim, essencial para o desenrolar ulterior da pesquisa. O tempo é também um pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e não num único momento (p. 320).

2) O pesquisador não sabe de antemão onde está "aterrissando", caindo geralmente de "pára-quedas" no território a ser pesquisado. Não é esperado pelo grupo, desconhecendo muitas vezes as teias de relações que marcam a hierarquia de poder e a estrutura social local. Equivoca-se ao pressupor que dispõe do controle da situação.

3) A observação participante supõe a interação pesquisador/pesquisado. As informações que obtém, as respostas que são dadas às suas indagações, dependerão, ao final das contas, do seu comportamento e das relações que desenvolve com o grupo estudado. Uma auto-análise faz-se, portanto, necessária e convém ser inserida na própria história da pesquisa. A presença do pesquisador tem que ser justificada (p. 301) e sua transformação em "nativo" não se verificará, ou seja, por mais que se pense inserido, sobre ele paira sempre a "curiosidade" quando não a desconfiança.

4) Por isso mesmo o pesquisador deve mostrar-se diferente do grupo pesquisado. Seu papel de pessoa de fora terá que ser afirmado e reafirmado. Não deve enganar os outros, nem a si próprio. "Aprendi que as pessoas não esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo porque viam que eu era diferente. Abandonei, portanto, meus esforços de imersão total" (p. 304).

5) Uma observação participante não se faz sem um "Doc", intermediário que "abre as portas" e dissipa as dúvidas junto às pessoas da localidade. Com o tempo, de informante-chave, passa a colaborador da pesquisa: é com ele que o pesquisador esclarece algumas das incertezas que permanecerão ao longo da investigação. Pode mesmo chegar a influir nas interpretações do pesquisador, desempenhando, além de mediador, a função de "assistente informal".

6) O pesquisador quase sempre desconhece sua própria imagem junto ao grupo pesquisado. Seus passos durante o trabalho de campo são conhecidos e muitas vezes controlados por membros da população local. O pesquisador é um observador que está sendo todo o tempo observado.

7) A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa (p. 303). As entrevistas formais são muitas vezes desnecessárias (p. 304), devendo a coleta de informações não se restringir a isso. Com o tempo os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer esforço para obtê-los.

8) Desenvolver uma rotina de trabalho é fundamental. O pesquisador não deve recuar em face de um cotidiano que muitas vezes se mostra repetitivo e de dedicação intensa. Mediante notas e manutenção do diário de campo (field notes), o pesquisador se autodisciplina a observar e anotar sistematicamente. Sua presença constante contribui, por sua vez, para gerar confiança na população estudada.

9) O pesquisador aprende com os erros que comete durante o trabalho de campo e deve tirar proveito deles, na medida em que os passos em falso fazem parte do aprendizado da pesquisa. Deve, assim, refletir sobre o porquê de uma recusa, o porquê de um desacerto, o porquê de um silêncio.

10) O pesquisador é, em geral, "cobrado", sendo esperada uma "devolução" dos resultados do seu trabalho. "Para que serve esta pesquisa?" "Que benefícios ela trará para o grupo ou para mim?" Mas só uns poucos consultam e se servem do resultado final da observação. O que fica são as relações de amizade pessoal desenvolvidas ao longo do trabalho de campo.


Outros "mandamentos metodológicos" poderiam ser inferidos . Gostaria apenas de insistir sobre dois pontos. Da leitura do livro, fica claro que a observação participante não é uma prática simples mas repleta de dilemas teóricos e práticos que cabe ao pesquisador gerenciar. A experiência descrita e analisada pelo autor, numa linguagem que dispensa o jargão especializado, mostra que a observação participante exige, sim, uma cultura metodológica e teórica. Foote Whyte não vinha de uma formação em antropologia ou sociologia, mas havia estudado na tradicional e bem cotada Universidade de Harvard. Havia lido Malinowsky, Durkheim, Pareto, os Lynd (Middletown) e a literatura sobre communities. Teve contacto com Elton Mayo, que o orientou no aprendizado das técnicas de entrevista, e com o antropólogo Conrad Arensberg, com quem discutiu métodos de pesquisa de campo. Lloyd Warner, autor de Yankee city, veio a ser seu orientador na Universidade de Chicago. Para a revisão do manuscrito, contou com as sugestões de Everett Hugues. Como diz Gilberto Velho, na apresentação da edição brasileira, o livro "como produto final traz inevitavelmente as marcas de sua passagem e relações com alguns dos expoentes da Escola de Chicago dos anos 1940" (p. 12).

Outro aspecto importante diz respeito à atualidade do livro e sua pertinência para entender áreas pobres e o mundo popular no Brasil de hoje. O diagnóstico oferecido pelo autor contrapõe-se à imagem produzida pelo senso comum, que considera as áreas pobres exclusivamente um problema: degradadas, homogêneas, desorganizadas, caóticas e fora da lei, devendo necessariamente ser "ajudadas" uma vez que "abandonadas à sua própria sorte" nunca se desenvolverão. Vistas de dentro, e a partir do olhar arguto do cientista social, tem-se outra visão: tais localidades corresponderiam a áreas onde coexistem espaços e grupos locais diferenciados porém estruturados a partir de redes de relações sociais. A desorganização social não é, portanto, a tônica geral–o que não significa negar a existência do conflito entre os grupos. Foote White não tem, dessa forma, nem uma visão "miserabilista" nem populista dos pobres. O autor insiste na importância da sociabilidade que ocorre no espaço público do mundo popular, na "sociedade da esquina" para usar seu próprio linguajar. Pois é na esquina, no espaço informal, que as decisões são tomadas, que os grupos se estruturam e que as relações sociais se constroem e se destroem.

Que este livro sirva de "aviso" e inspiração a todos aqueles que queiram se lançar na aventura da observação participante.