domingo, 24 de julho de 2011

Trem Tan-Tan: um trem prá lá de bom

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


Trem Tan-Tan: um trem prá lá de bom
Por Ana Lúcia Santos, Fernanda Bicalho Pereira, Iana Guedes Pechir, Josiane Oliveira, Maria Carolina Paseto, Nathália Lopes


Considerando as mudanças trazidas pela Lei 10.216/2001 e pela Luta Antimanicomial como um todo, é importante ressaltar que além dos serviços substitutivos implantados, experiências inovadoras aconteceram em diversos lugares do Brasil, apontando para uma nova perspectiva de inclusão dos portadores de sofrimento mental, na qual a dimensão da cidadania está presente.

No início do séc. XX, a cidade de Barbacena, a 160 km de Belo Horizonte, abrigava um dos primeiros hospitais psiquiátricos do Brasil. O hospício da cidade recebia milhares de pacientes, que chegavam lá a bordo do famoso “Trem de Doidos”. Hoje, muitas décadas depois, um outro “trem” surge para mostrar como a questão da saúde mental deve ser tratada no Brasil, mas dessa vez não se trata de uma locomotiva, mas sim, do Trem Tan-Tan: grupo musical formado por portadores de sofrimento mental do Centro de Convivência de Venda Nova, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

O grupo surgiu em 2001, após participarem de uma oficina ministrada pelo músico, poeta, educador social e produtor Babilak Bah onde trabalhavam com ritmo, musicalidade, expressão e criatividade. Em 2002, 37 dos 70 participantes da oficina foram para um estúdio gravar o CD “Trem Tan-Tan”, que contou com a participação de músicos convidados, como Roger Moore e Rita Medeiros. Lançado pela Prefeitura de Belo Horizonte, o álbum teve distribuição independente. Atualmente o grupo conta com cerca de dez participantes e apresenta shows. “O Trem acabou extrapolando a proposta da oficina, se transformando em um grupo autônomo, que decide a divisão de tarefas, compõe músicas, escreve letras, faz shows”, conta Ana Paula Novaes, coordenadora do Centro de Convivência e produtora do grupo. No repertório, clássicos do samba, composições próprias e uma animação contagiante que encanta e faz cantar.

Já o nome surgiu durante uma conversa entre os músicos, quando um deles disse que a turma era um “trem de doido”, expressão tipicamente minera. Daí para Trem Tan-Tan foi um pulo. “Achei interessante também a ligação com o trem que transportava os loucos para Barbacena”, explica Ana Paula. O Trem Tan Tan também já participou de eventos como: A Mostra de Arte Insensata e Fórum.doc, em BH, o Festival da Loucura em Barbacena, Loucos por Música no Rio de Janeiro e em Salvador.

EXPERIÊNCIAS INDIVIDUAIS QUE SE UNEM PARA FORMAR UM TODO
Quase todos os participantes do Trem guardam lembranças terríveis do processo de internação, nos tempos em que os problemas mentais no Brasil eram tratados com choques e doses cavalares de medicamento. Em uma das músicas do CD do grupo, chamada “Vozes do Manicômio”, a integrante Isaura da Cunha, ou Dona Isaura, como é conhecida, conta um pouco de sua experiência na “prisão” que eram os hospitais. Apesar de terem marcas emocionais desse tempo, eles gostam de falar sobre suas experiências musicais.

Rosilene, a principal compositora do Trem Tan-Tan, diz que já escreveu mais de 60 músicas depois que participou da oficina. “Antes eu ficava incomodada com música, achava que era tudo barulho. Nunca imaginava que estaria aqui, tocando e ainda por cima compondo”, conta. Edson faz questão de destacar que para a convivência em grupo é necessário muito respeito e esforço. “É preciso também muita coragem para pensar sobre si mesmo, para se encontrar”.

O olhar de Mauro, o trompetista da turma, é comovente. Quando ele fala, transborda saudosismo, talvez de uma vida que deixou para trás, junto com filhos e netos, quando precisou ser internado. Ele é o único do grupo que já tinha experiência como músico, pois tocava em uma banda que se apresentava em bailes de casamento e formatura. Há muitos anos Mauro não colocava as mãos em um saxofone, até que começou a participar do Trem. Ele fica emocionado ao contar como foi a primeira vez em que experimentou o sax novamente. “No grupo eu pude encontrar meu som de novo. Na música eu não sou diferente de ninguém”.

Gilberto, o falante e divertido do grupo, mostra que, mesmo sem nunca ter tocado um instrumento, sempre teve uma forte ligação com a música. “Mas sou fã mesmo é de jovem guarda. Gosto demais da Perla”, explica.

TODO MUNDO SAMBOU
Babilak Bah destaca que desde o início do projeto nunca se viu como um professor do grupo. “Sempre me posicionei como um facilitador. E percebi o potencial do Trem logo de cara. Eu já sabia que ia dar samba”, afirma. E deu mesmo. O mais novo trabalho do grupo é o projeto “Samba, Loucura e Feijoada”, onde tocam músicas próprias e de outros compositores, sempre acompanhados por um convidado. “No primeiro CD trabalhamos uma sonoridade mais experimental, que também carregava muito da minha pesquisa da época. Agora o meu objetivo como diretor é deixar que o trabalho deles seja cada vez mais autoral, e percebi que a questão do samba era forte no grupo. A partir daí começamos a trocar informações sobre o samba no Brasil e buscar uma sonoridade nesse sentido. O projeto é resultado dessas ações”, explica Babilak.

É importante ressaltar o papel dos centros de convivência, locais em que oficinas de letras, teatro, música, dança, artes plásticas, dentre outras são ofertadas e que possibilitam ao portador de sofrimento mental, expor seus trabalhos, construir laços sociais e ser reconhecido na qualidade de cidadão.


A arte do grupo

“Aqui a patologia serve como linguagem, então a gente aproveita como artista, aproveita tudo que surge como um fenômeno de linguagem."
Babilak Bah






Referências:
http://www.overmundo.com.br/agenda/babilak-bah-e-trem-tan-tan-no-projeto-samba-loucura-e-feijoada
http://www.overmundo.com.br/overblog/um-trem-musical-bao-demais
http://palcomp3.com/tremtantan/
http://www.nabaladabh.com.br/portal/index.php/eventos-cultura-e-lazer/52-arquivo/791-trem-tan-tan-no-profissao-reporter
http://www.youtube.com/results?search_query=Trem+tantan+Profiss%C3%A3o+Reporter&aq=f
http://www.fag.edu.br/professores/jhonny/sa%FAde%20mental/FURTADO%20E%20CAMPOS.pdf
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/328/383

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