sexta-feira, 29 de julho de 2011

Bloco carnavalesco: Tá pirando, pirado, pirou! - Rio de Janeiro

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


Experiência Inovadora em Saúde Mental
Bloco carnavalesco: Tá pirando, pirado, pirou!

Por Camila Batista e Silva


Desde 2005, desfila nas ruas do Bairro da Urca na cidade do Rio de Janeiro o bloco carrnavalesco “Tá Pirando, Pirado, Pirou!”. Formado por usuários, técnicos e familiares vinculados aos serviços de saúde mental e outros apoiadores e simpáticos ao bloco, foi idealizado por Gilson Secundino, paciente do Instituto Philippe Pinel. A sua justificativa para levar a comemoração do carnaval para fora dos muros do instituto é a de que “devemos ser pretensiosos. Não podemos fazer um carnaval apenas para quem já está pirado, vamos para rua festejar com quem está pirando”. (CASADO)

A iniciativa foi logo acolhida pelos técnicos e funcionários do Instituto Pinel que concordam que essa experiência carnavalesca ajuda na ampliação das autonomias, da cultura, da criatividade e na circulação dos usuários pela cidade. Para a psicóloga social, e uma das fundadoras do bloco, Neli de Almeida: “a ideia central do bloco é modificar a mentalidade de que o louco não tem capacidade criativa, que não pode estar junto das pessoas” (Saúde Mental e Cidadania). O bloco entra no calendário da instituição que já construiu ao longo dos seus mais de 70 anos de funcionamento, uma série de experiências inovadoras em saúde mental. Ao adotar o conjunto de ideias e práticas propostas pelo movimento da reforma psiquiátrica, norteia o atendimento centrado no usuário e busca sua total integração ao seu ambiente social. O Instituto criou, a fim de efetivar esse intercâmbio, o “Serviço de Reabilitação Social” que oferece atividades aliadas ao atendimento terapêutico tais como: uma cooperativa de trabalho, oficina de arte, a “TV Pinel”, um time de futebol. O bloco “Tá pirando, Pirado, Pirou!” se insere nesse programa, na vertente de intervenção cultural. Segundo o site da Prefeitura do Rio de Janeiro (Instituto Philippe Pinel):

“O serviço tem por objetivo implementar propostas que possibilitem a conquista de direitos e cidadania da clientela atendida pelo Instituto Philippe Pinel. (...) A atuação desses serviços como processo de facilitar ao indivíduo com limitações a restauração no melhor nível possível de autonomia do exercício das suas funcões na comunidade”.

O bloco carnavalesco possui, assim como outros blocos, um enredo e um samba, que, a cada ano, são escolhidos através de concurso. No ano de 2010 o enredo “Ser maluco é fácil, difícil é ser eu” foi sugerido por um ex-paciente do Pinel, chamado João Batista, que se baseou na sua própria trajatória pelo universo da psiquiatria para elaborar o tema. O bloco possui também suas alas, divididos em comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira e bateria. Outro ex-paciente, Luis Cláudio dos Santos, 47 anos, possuía um histórico de crise desde os 18 anos, desde que virou mestre-sala do bloco há 5 anos, se envolvendo com os ensaios, a fantasia, nunca mais foi internado, segundo os profissionais que acompanham seu caso. (LEMOS; VELOSO, 2009)

O projeto carnavalesco já ganhou vários prêmios, como o Prêmio Nacional de Cultura e Saúde em 2010, premiação estabelecida pelo Programa “Mais Cultura, Mais Saúde”, oferecido por uma parceria entre Ministério da Cultura e Ministério da Saúde e o prêmio “Loucos pela diversidade”da FIOCRUZ. Já faz parte também do calendário oficial de carnaval de rua da Prefeitura do Rio de Janeiro, se colocando como uma experiênia inovadora em saúde mental.




Referências:
CASADO, Rogélio. Tá pirando, pirado, pirou. Disponível em < http://rogeliocasado.blogspot.com/2008/02/t-pirando-pirado-pirou.html >. Acessado em 24/04/2010 às 21:00
Instituto Philippe Pinel. Serviço de Reabilitação Social. Rio de Janeiro. Disponível em < http://www.saude.rio.rj.gov.br/pinel/> . Acessado em: 24/04/2010 as 20:51
LEMOS, Sarah; VELOSO, Aline. Tá pirando, pirado, pirou. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em < http://publique.rdc.pucrio.br/jornaldapuc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1501&sid=28&tpl=printerview> Acessado em: 24/04/2010 às 21:05
Saúde Mental e Cidadania. Carnaval 2010: Bloco Tá pirando, Pirado, Pirou!. Disponível em < http://saudementalecidadania.blogspot.com/2010/02/carnaval-2010-bloco-ta-pirando-pirado.html> Acessado em: 24/04/2010 às 21:04

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Museu de Imagens do Inconsciente - Rio de Janeiro

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


Museu de Imagens do Inconsciente
Por Vanessa Oliveira, Henrique Cardoso, Fernanda Cordeiro, Filipe Falconi e Isabela Tavares


O Museu de Imagens do Inconsciente originou-se nos ateliês de pintura e de modelagem da Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II (atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira) no bairro do Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, organizada e supervisionada por Nise da Silveira* e pelo pintor Almir Mavignier (1925), em 1946. Neste período, a pintura e modelagem assumiram uma posição diferenciada, já que a produção desses ateliês era grande, interessante cientificamente e útil no tratamento psiquiátrico.

A partir disso, surgiu a idéia de organizar um Museu que reunisse as obras criadas nesses setores, oferecendo ao pesquisador condições para o estudo de imagens e símbolos e para o acompanhamento da evolução de casos clínicos através da produção plástica espontânea. Assim, em uma pequena sala, em 20 de maio de 1952 foi inaugurado o Museu de Imagens do Inconsciente. Em 28 de setembro de 1956, com a presença de ilustres psiquiatras (Henry Ey, de Paris; Lopez Íbor, de Madrid; Ramom Sarró, de Barcelona), passa a ocupar instalações mais amplas e já tinha uma coleção, segundo Lopes Íbor, única no mundo.

Na definição de Nise, o museu consistia de um "centro vivo de estudo e pesquisa", reunindo acervo das pinturas, desenhos e esculturas dos freqüentadores do Setor de Terapia Ocupacional e Reabilitação (STOR) dirigido por ela entre 1946 e 1974. Nise recusava os tratamentos psiquiátricos tradicionais e passa a utilizar as teorias da antipsiquiatria, da psicologia de Carl Gustav Jung (1875-1961) e dos desenvolvimentos na área específica da teoria ocupacional para a recuperação dos doentes mentais. Enfatizava a importância do contato afetivo e da expressão criativa no processo de cura, abrindo, assim, os ateliês dentro do STOR, com a orientação aos monitores para não interferirem na produção dos pacientes.

Desde 1946, o Museu de Imagens do Inconsciente continua existindo até hoje sendo, graças à sua fama internacional, ao sucesso artístico de muitas obras e a “Sociedade de Amigos do Museu do Inconsciente” (SAMII).

A sem fins lucrativos, criada para incentivar e apoiar as iniciativas científicas e culturais do Museu de Imagens do Inconsciente. Foi fundada em 1974 e teve em seus quadros a participação de importantes personalidades do cenário cultural e científico do Brasil. Seus objetivos são difundir experiências e resultados das atividades técnico-científicas empreendidas pelo Museu de Imagens do Inconsciente bem como incentivar estudos e pesquisas correlatas, promover exposições, dentro e fora do espaço formal do Museu, cursos, conferências, palestras e debates, sessões cinematográficas ou dramáticas, audições musicais, concertos e outras realizações de ensino e informação audiovisual e editar livros, revistas, catálogos, cartões e dispositivos. Para consecução dos seus fins, vem celebrando convênios com outras entidades, públicas e privadas, como FINEP, Ministério da Cultura, Ministério da Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente é uma sociedade civil Educação, RIOARTE, IBM, etc.

O Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira está organizado em 4 setores: Reserva Técnica; Ensino, Pesquisa e Divulgação; Administração; e Ateliês Terapêuticos.

A Reserva Técnica tem como objetivo a guarda, organização e conservação das obras produzidas nos ateliês terapêuticos: telas, papéis, modelagens, textos e poemas; com 352 mil obras em acervo. A partir de 2002, iniciou-se a reorganização e informatização do acervo, estando hoje várias obras disponíveis em exposições virtuais. Em 2003, esse esforço conjunto possibilitou o reconhecimento da universalidade desse acervo por meio do tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) das principais coleções constituídas pela Dra. Nise da Silveira.

O setor de Ensino, Pesquisa e Divulgação do museu oferece hoje cursos, palestras e debates, biblioteca especializada, videoteca e visitas orientadas. Promove exposições nacionais e internacionais, estudos de casos clínicos e orientação a pesquisadores. A administração é responsável pelo gerenciamento dos recursos humanos, manutenção da infraestrutura, limpeza e segurança. Os Ateliês Terapêuticos estão abertos a clientes internos e externos e oferecem atividades expressivas e criativas como forma de tratamento.

Desde julho de 1968 funciona como atividade do museu um Grupo de Estudos que tem como objetivo principal o acompanhamento do processo psicótico através de imagens apresentadas em exposições. Este Grupo tem caráter marcadamente interdisciplinar, o que permite troca constante entre experiência clínica, conhecimentos teóricos de psicologia e psiquiatria, antropologia cultural, história, arte e educação. O Grupo reúne-se com regularidade às terças-feiras, às dez da manhã e está aberto a todos os interessados.

O método de trabalho no MII consiste principalmente no estudo de séries de imagens, permitindo acompanhar o desdobramento de processos intrapsíquicos. São organizadas séries de um mesmo paciente, o que permite ao terapeuta melhor compreender a situação psíquica do autor das imagens. Outras seleções reúnem temas de incidência frequente em diversos casos clínicos como mandalas, rituais, metamorfoses, animais fantásticos, etc.

O trabalho no ateliê revela que a pintura não só proporciona esclarecimentos para compreensão do processo psicótico mas constitui igualmente verdadeiro agente terapêutico. As imagens do inconsciente objetivadas na pintura tornam-se passíveis de uma certa forma de trato, ainda que não haja nítida tomada de consciência de suas significações profundas. A experiência demonstra que a pintura pode ser utilizada pelo paciente como um verdadeiro instrumento reorganizador da ordem interna.

Ao longo de seus anos de atividade, este trabalho reuniu todo um grupo de enfermos, que por meio das atividades criativas reencontraram o convívio social e o afeto. Mostrando em incontáveis documentos as vivências sofridas pelos pacientes, bem como as riquezas do seu mundo interior invisíveis para aqueles que se detêm apenas na miséria de seu aspecto externo, o trabalho realizado no Museu de Imagens do Inconsciente aponta para a necessidade de uma reformulação da atitude face a esses doentes e para uma radical mudança nos tristes lugares que são os hospitais psiquiátricos.

* Nasceu em Maceió, Alagoas, em 1905 e formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1926. Em 1933 fez um curso para Médica Psiquiatra da antiga Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental. Entre 1936 e 1944, foi afastada do serviço publico por motivos políticos e readmitida em 17 de abril de 1944, sendo designada para ter exercício no Centro Psiquiátrico Nacional (atual Instituto Municipal Nise da Silveira). Por se recusar a utilizar os tratamentos habituais dados aos pacientes psiquiátricos como: eletrochoque, lobotomia, internação etc. Nise foi deslocada para o setor de Terapia Ocupacional, local que não era bem visto pelos médicos. Foi nesse setor que em 1946 teve inicio os ateliês de pintura e modelagem, que levarão a criação do Museu de Imagens do Inconsciente com o propósito de reunir as obras produzidas pelos pacientes. Assim, em 1946 fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional no antigo Centro Psiquiátrico Nacional e em 1952, reunindo material produzido nos ateliês de pintura e de modelagem desta seção, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente. Já em 1956 Nise cria a Casa das Palmeiras, com o objetivo de ser uma referencia aos egressos dos hospitais psiquiátricos. Ela escreveu diversos livros e textos sobre a Psiquiatria e faleceu no ano de 1999, aos 94 anos no Rio de Janeiro.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Experiência de Sobral - CE

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


A Experiência de Sobral - CE
Por Aline Souza Martins, Bárbara Oliveira Paulino, Gracielle Machado, Laura Facury Moreira, Maria Angélica Tomás, Marine Queiroz

A experiência de Sobral ocorreu no final do século XX em uma cidade que dá nome ao movimento, localizada na região noroeste do estado do Ceará. Desde a década de 1980, o Brasil se tornou palco de manifestações contra o modelo asilar e opressor até então encontrado. O tratamento desumano destinado às pessoas atendidas nas instituições hospitalares foi aos poucos revelado. Concomitante a esses acontecimentos, a cidade de Sobral se deparou em outubro de 1999 com um incidente que desencadeou o que se chama atualmente de experiência de Sobral. Na Casa de Saúde Guararapes faleceu sem causalidade declarada o paciente psiquiátrico, Damião Ximenes Lopes. Esse fato convocou a atenção dos familiares, da sociedade civil e de instâncias públicas. As ações decorrentes dessa sensibilização se centralizaram no conhecimento e fiscalização dos espaços voltados para o atendimento dos casos de saúde mental. Logo surgiram denúncias de maus-tratos, espancamentos e abuso sexual como sendo atos rotineiros dentro da Casa de Saúde. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde do município decretou intervenção no manicômio através da qual se constatou condições física, terapêutica e financeira precárias. Como reação, nomeou uma Junta Interventora na tentativa de realizar um trabalho com esses sujeitos.

O caso de Damião Ximenes foi um exemplo lamentável da situação dos pacientes de saúde mental em Sobral e no Brasil. Em 1º de outubro de 1999 a mãe do paciente Albertina Ximenes o internou na Casa de Repouso Guararapes, três dias depois retornou a clínica para visitá-lo e o encontrou sangrando, com escoriações e hematomas pelo corpo, sem roupa e com as mãos amarradas. O medico responsável e diretor do hospital quando requisitado apenas prescreveu a medicação sem sequer examinar o paciente. Horas depois a família foi informada do falecimento de Damião. A irmã do paciente, diante da impunidade a que ficou relegado o fato, denunciou a morte do irmão (junto com entidades parceiras da Luta Antimanicomial) à Comissão Internacional de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Mesmo sendo a primeira vez que o Estado brasileiro foi denunciado a uma instância internacional por morte de paciente psiquiátrico e condenado a pagar indenização e investigar os fatos até a data de 11 de maio de 2010 nada foi feito.

Diante da urgência de intervenção no modelo asilar utilizado anteriormente, foram criados um ambulatório incipiente e uma unidade de internação psiquiátrica, que tentavam se pautar pela nova estrutura implantada pelo modelo de Estratégia de Saúde na Família. Ao fim da intervenção que descredenciou a Casa de Saúde, foi implantada a Rede de Atenção Integral à Saúde Mental de Sobral, que contava além dos médicos, com profissionais de diversas áreas, como psicologia, terapia ocupacional, educação física, etc. Na tentativa de ressignificação e desmistificação da loucura, a proposta era de um atendimento não excludente e integrador do portador de sofrimento mental, que recorresse menos à internação e buscasse restabelecer a identidade social e dignidade humana dos pacientes, perdidas em anos de exclusão. No ano 2000, o ambulatório foi transformado em um CAPS, nos moldes da Reforma Psiquiátrica e a unidade de internação foi deslocada para um hospital geral. Foi criada ainda uma Residência Terapêutica e um Ambulatório Regional de Psiquiatria, este último voltado aos moradores de municípios vizinhos que não possuíam estrutura atenção secundária à saúde mental. Em 2002 foi criado o CAPS-AD para o atendimento aos usuários de álcool e outras drogas. Foram implantadas ainda ações de supervisão e preceptoria dentro do Programa de Saúde da família.

A Revista de Políticas Públicas de Sobral/CE chamada SANARE (tornar sã, em latim) é uma revista do município de Sobral/Ceará que divulga toda e qualquer experiência, prática e teórica, em políticas públicas. Isto é, propostas sociais que transformam positivamente a vida das populações. Foi realizado um volume especial de atualização da revista (2005/2007) no qual foram descritas experiências na área da saúde mental na cidade após as transformações desencadeadas pela experiência de Sobral. Os artigos dessa edição iniciam com três relatos da experiência que visam explicitar como o princípio da integralidade é valorizado na prática cotidiana da RAISM (Rede de Atenção Integral à Saúde Mental de Sobral). Os artigos foram, em sua maioria, produzidos por alunos do curso de especialização em Saúde Mental entre 2005 e 2006 que foi promovido por financiamento do Ministério da Saúde.

A experiência de Sobral é tão marcante para o cenário do movimento antimanicomial pois delineia como objetivo primordial a inversão do modelo hospitalocêntrico e exemplifica uma aplicação muito eficaz do serviço de atenção básica à saúde, de acordo com as diretrizes principais do Sistema Único de Saúde. Houve uma implantação muito rápida de uma rede municipal de Saúde Mental, entre a denúncia em 1999 e o fechamento do Hospital em 2000, e há um crescimento continuo e eficaz desta estrutura. A solidificação do formato do matriciamento também concede a essa experiência um caráter singular. O que anteriormente era de domínio e responsabilidade apenas dos psiquiatras passa a ser compartilhado por uma equipe multidisciplinar que permite que a atenção primária a saúde “possa acolher de forma efetiva, pacientes provenientes dos CAPS que receberam alta parcial ou total para algum tipo de acompanhamento na Equipe de Saúde da Família”.




Referências
Saúde Mental na Corte Internacional de Direitos Humanos. Disponível em: http://global.org.br/programas/a-saude-mental-na-corte-interamericana-de-direitos-humanos/. Acesso em 27 abr 2011.
TOFOLI, L. F.; FORTES, S.. Apoio Matriarcal de saúde mental na atenção primária no município de Sobral, CE: o relato de uma experiência. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2011.
PEREIRA, A. et al. A desconstrução do manicômio: a experiência de Sobral/CE. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2011.
TOFÓLI, L. F. F.. Depoimento: Saúde Mental em Sobral: 2000-2005 Cinco anos sem manicômios. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2011.
SANARE, Revista de Políticas Públicas. Sobral [CE]:Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, 2005/2007. Disponível em: http://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2367.pdf. Acesso em: 27 abr 2011.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sapos e Afogados - Belo Horizonte

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


Sapos e Afogados
Por Agatha Rotelli, Ana Luíza Sant’Anna, Andressa Moreira, Áquila Bruno, Juliana Prates, Luisa Guimarães


Histórico
A reforma psiquiátrica é resultado de um movimento que luta pela inserção ampla do louco na sociedade (GOULART, 2010). Esta, que para um significativo segmento desse movimento, só se dará com o fim dos manicômios. A reforma psiquiátrica brasileira teve inicio, no Brasil, no final da década de setenta (VASCONCELOS, 2000). A partir de então, diversas iniciativas foram elaboradas visando à estruturação do serviço de saúde mental no Brasil, tal como a criação de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. Tais ações visam não apenas o tratamento do louco, mas sua co-responsabilidade neste processo, inserção do portador do sofrimento mental no território da cidade, a criação de laços e redes sociais e o fortalecimento do vínculo com a comunidade (SAÚDE, 2003).

Tendo em vista as propostas da reforma psiquiátrica brasileira, vemos atualmente diversas iniciativas que buscam reafirmar que a loucura deve estar presente no cotidiano da cidade, questionando os estigmas e a exclusão política, social e cultural impostas para aqueles que fogem do padrão de normalidade instituído. Dentre tais iniciativas encontra-se o Núcleo de Criação Sapos e Afogados formado por atores/usuários de saúde mental, que desenvolve pesquisa na área teatral e áudio-visual.



Residência Casa Breve


O grupo foi criado no ano de 2002, tendo início com o trabalho da atriz e diretora Juliana Barreto nas oficinas de teatro oferecidas pelos Centros de Convivência da rede pública de saúde mental, na cidade de Belo Horizonte. Inicialmente, nas oficinas do Centro de Convivência participavam entre 60 e 80 oficineiros. Ao longo do tempo 12 usuários se organizaram e criaram a Cia. Momentânea de Teatro, que era um grupo que estava interessado em apresentar em outros espaços, além do circuito da rede de saúde mental. A partir daí surgiu o primeiro espetáculo do grupo “Sapos e Afogados”, que traz personagens inusitados que invadem a cidade. Atualmente o grupo já desenvolveu diversos curtas-metragens, com a parceria com o diretor José Ricardo Júnior, estes que já ganharam prêmios em diversas mostras de cinema. Juliana Barreto afirma:

"Nos trabalhos do SAPOS e AFOGADOS, tanto nos curtas como nas montagens teatrais, o que vemos não é um delírio, ao contrário é um momento de “puro estado de jogo” em que nos permitimos tecer e brincar com metáforas delirantes travadas com o espaço, com o próprio corpo, com o outro. Embora reconheçamos o delírio como um “trabalho”, uma feitura, uma confecção da loucura, o que interessa a nós nesta busca é uma construção cênica vinda desta nova lógica, onde o significado fica aberto podendo ser lido de diversos modos."

A importância desse trabalho se dá não apenas pela beleza e profundidade da obra construída pelos atores, mas também pela possibilidade destes de ocuparem a sociedade. Ou seja, vê-se que a construção artística pode ser feita por meio de outra lógica e outro lugar. Nota-se que o portador de sofrimento mental, com seus delírios e alucinações, podem pertencer ao mundo dos ditos normais. No teatro estes sujeitos redescobrem um novo lugar, onde é possível criar um novo sentido para viver. Tal afirmação pode ser observada nas falas dos participantes:

"...Acho que a autoestima. Melhora a autoestima quando você consegue... É uma motivação pra vida, que você descobre que tem a área da cultura..." (Ellon Rabin, um dos participantes do grupo -Entrevista feita com os Sapos em 2007 - reportagem de Thaís Pimentel pra a rádio CBN.)

"Nos ensaios tinha alguns problemas. E cada um com suas dificuldades, tá certo? E aí, tinha que parar um pouco, e aí, respirar um pouco fundo e aí, recomeçar de novo. E eu vi que... não é nem pelo dinheiro, sabe? É assim, é a... É você soltar suas emoções, é você por pra fora. Não dá nem pra descrever. Eu fico feliz de mostrar pra minha família que eu sou uma pessoa... um ser humano que é capaz de produzir, como todos nós desta vida, desse mundo de Deus. Nós somos capaz de produzir e fazer coisas bonitas." (Ludmila Kondziolkova, uma das participantes do grupo - Entrevista feita com os Sapos em 2007 - reportagem de Thaís Pimentel pra a rádio CBN.)

Reunião do grupo Sapos e Afogados


Atividades desenvolvidas
Nos trabalhos do grupo Sapos e Afogados temos tanto mostras quanto a produção de curtas-metragens, montagens teatrais, oficinas de teatro e a participação nos movimentos culturais. O grupo participou da Mostra de Arte Insensata e tem as peças “Caixa preta”, “Casa breve – Residência Artística/ Habitação criativa” e “3 frames noturnos” compondo seu repertório.

O grupo produziu o curta-metragem "Convite para jantar com o camarada Stálin" (2007), e posteriormente desenvolveu outro curta-metragem, o "Material bruto" (2007), que é uma das atividades mais reconhecidas do grupo. "Material bruto" retrata quatro seres que buscam o momento de saírem de si, e foi exibido e premiado em diversos festivais. Já as peças teatrais de destaque do grupo são "Caixa Preta" e "3 Frames Noturnos".

Em novembro de 2008 o grupo realizou uma Mostra de Curtas, onde foram exibidos os curtas Cocais, Siesta, Simitério de Adão e Eva, além do já citado curta de autoria dos próprios membros do Sapos e Alagados - Material Bruto. Esta mostra recebeu o nome de "A poética da loucura" e após os filmes foi apresentado também o ensaio da peça "Caixa Preta".

Mais recentemente, em outubro de 2010, o grupo participou da 2ª Mostra de Arte Insensata e, em abril de 2011, promoveu o evento “Casa Breve – Residência Artística/ Habitação Criativa”, quando pela primeira vez abriram sua casa ao longo de um dia para expor seus trabalhos, compostos de shows, encenações breves, rodas de conversa e demonstração de um curioso exercício, chamado MIRRA.

Cartaz do evento "Casa Breve – Residência Artística/ Habitação Criativa"




Demonstração de MIRRA = aprendendo com o aluno - Com Edmundo



Por fim, o grupo também mantém atualizado um blog, onde são postados seus curtas, vídeos, fotos e notícias, além de constantemente escreverem sobre o tema da Saúde Mental.

Sapos e Afogados é uma grande experiência em expansão! Um trabalho que está crescendo, improvisando e delirando. Um grupo que conseguiu achar em sua loucura um meio de viver, produzir e fazer arte.



Referências
VASCONCELOS, E.M. Breve Periodização Histórica do Processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil Rrecente. RJ: Cortez, 2000.
GOULART, Maria Stella Brandão; DURÃES, Flávio. A reforma e os hospitais psiquiátricos: histórias da desinstitucionalização. Psicologia e sociedade; 22(1):112-120, jan.-abr. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822010000100014
http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/03_0277_%20M.pdf/ Acesso em 28 de abril de 2011, às 11h e 41 minutos.
http://saposeafogados.blogspot.com/ Acesso em 28 de abril de 2011, às 9h e 10 minutos.
http://www.facebook.com/profile.php?id=100002190934929&sk=info#!/profile.php?id=100002190934929/ Acesso em 28 de abril de 2011, às 10h e 40 minutos.
http://www.guiaentradafranca.com.br/agendaG.php?idUrl=2889 Acesso em 28 de abril de 2011, às 10h




segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Casa - São Paulo

Durante a disciplina Saúde Mental no Brasil: Experiências Inovadoras, realizada na UFMG no primeiro semestre de 2011, os alunos produziram uma série de trabalhos sobre experiências no âmbito da saúde mental. Vamos aproveitar o espaço do nosso blog para compartilhar a produção dos alunos de graduação em Psicologia.


A Casa
Por Celso Gonçalves, Madalena Gomes, Nathiéle Araújo, Patrícia Silva, Patrícia Tavares


A noção de loucura encontra-se intimamente relacionada a fatores históricos, podendo se encontrar nas diferentes épocas as mais diversas conceituações para este fenômeno.

Na Grécia Antiga, a loucura era concebida como um saber divino, em que os loucos eram considerados como mensageiros dos Deuses e como aqueles que mais se aproximavam dos mesmos. Por este caráter divino, a loucura não era concebida como algo passível de controle ou exclusão, mas como instrumento de intermediação entre os homens e os Deuses.

A Idade Média, assinalada por uma sujeição completa ao divino, em que todas as pragas e pestes que se abatiam sobre os homens eram vistos como punição de Deus a estes, inicia o período de exclusão da loucura, que é marcada pela criação dos leprosários e pela figura da Nau dos Loucos, que se caracterizavam por embarcações que saiam das cidades a um destino incerto, onde eram colocados aqueles sujeitos tidos como errantes a quem a sociedade não mais queria entre si.

"A navegação entrega o homem à incerteza da sorte; nela, cada um é confiado ao seu próprio destino; todo embarque é, potencialmente, o último. É para outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca". (Foucault apud Rolim)

Tal concepção da loucura como algo a ser excluído também se encontra associada ao fascínio que esta exercia sobre os homens, pois a loucura não se coloca apenas como um elemento a ser excluído por um desejo de higienização e controle social, mas como aquilo que se renega porque fascina ao se reconhecer como algo de si mesmo, tendo seu mistério encontrado representação na arte Renascentista ao final da Idade Média.

"A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aos mistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucura não diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdade que ele distingue de si mesmo.’’

A Idade Moderna, marcada pela ascensão da burguesia como classe econômica dominante, também garante uma nova perspectiva sobre a concepção da loucura. Tal período é marcado, contrariamente a Idade Média, por uma valorização do trabalho e do acúmulo de riquezas, sendo a noção de produtividade colocada como fator de excelência na sociedade moderna.

Assim, aqueles que não conseguissem tomar parte na produção, na circulação ou no acumulo de riquezas eram considerados como inúteis dentro do que se proponha esta nova sociedade, sendo por isto passíveis de processos de exclusão e isolamento por parte desta sociedade.

Sendo assim, é neste contexto de improdutividade que a loucura se coloca, sendo excluída e isolada juntamente aqueles considerados incongruentes ao paradigma social proposto. É ainda neste contexto que se fortifica a estabelecimento de instituições de internação, sendo estes concebidos não como instituições destinadas ao tratamento destes sujeitos, mas como depósitos humanos, onde os trabalhos forçados serviam como punição e controle moral a ociosidade, auxiliando no processo de higienização, disciplinarização e controle social.

A Idade Contemporânea é então marcada por uma apreensão da loucura pelo conhecimento psiquiátrico e por uma concepção da mesma como patologia. “O médico, representante de um saber científico, é aquele que pode legislar sobre os sujeitos despossuídos de razão.’’ Sendo assim, a institucionalização passa a ter não a função de isolamento, mas uma função terapêutica, ou seja, as instituições psiquiátricas passam a ser o antro de tratamento desta loucura denominada patologia, tendo como expoente Pinel, na França.

Contudo, com a atribuição de tratamento, aos sujeitos que eram destinados a estas instituições eram destituídos de sua condição de sujeito e cidadão, sendo submetidos a condições de existência desumanas e a tratamentos cruéis e de eficácia questionáveis.

Porém, na metade do século XX, marcada pela Segunda Guerra Mundial, inicia-se na Europa um movimento de contestação a estas instituições destinadas a internação, colocando uma crítica ao caráter desumano e a ineficácia terapêutica que tais instituições apresentavam. Tal movimento é então denominado como movimento antipsiquiátrico, tendo seus expoentes na França, pela influência da psicanálise, na Inglaterra, com o surgimento das comunidades terapêuticas que visavam subverter a hierarquia dentro do manicômio e promover um questionamento do saber psiquiátrico e na Itália, com Baságlia, que coloca a loucura como um produto social e prevê que a desinstitucionalização apontará para uma desconstrução dos valores culturais da loucura associada à indigência, a improdutividade e a periculosidade.

No Brasil, ao final da década de 60, essas idéias encontram repercussão na criação das primeiras comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. São nessas comunidades que o recurso do acompanhamento terapêutico começa a ser utilizado.

Em 1979 é criado então, por um grupo de profissionais multidisciplinares, o hospital-dia A Casa, e com ele sua equipe de acompanhantes terapêuticos, tendo como intenção ser uma nova alternativa frente ao enclausuramento da loucura, se colocando em uma posição crítica a fim de evitar se tornar uma nova alternativa de alienação da loucura, buscando desenvolver um encontro desta com a subjetividade, o civil e o social.

O hospital dia A Casa começou a tornar-se uma realidade, depois de anos de pesquisa, quando um grupo inicialmente composto por 20 profissionais, sentiu que reunia condições para dar inicio aos trabalhos de viabilização do projeto de um hospital dia em São Paulo.

O tratamento proposto era em regime de hospital dia e constaria de grupos de psicoterapia, atividades expressivas e terapia familiar. A psicanálise foi elencada como a teoria base de todo a clínica, utilizada como referencial maior. O grupo revela, que naquele momento, no que se referia ao tratamento das psicoses eles sabiam mais o que não se devia fazer do que o que ele queriam fazer. As marcas deixadas pelas instituições psiquiatras axilares deixavam claro o esforço contrario a internação. O tratamento não deveria retirar o paciente de seu convívio social. Assim o tratamento consistiu de dois recursos principais: o ‘amigos qualificados’ que mais tarde foi denominado como ‘acompanhante terapêutico’ e a terapia familiar.

A CASA é um hospital dia que oferece tratamento para pacientes psiquiátricos, especialmente psicóticos. Composto de uma equipe formada de psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e filósofos. Inicialmente tinha por objetivo oferecer atividades de grupo que possibilitassem o convívio entre os pacientes e terapeutas durante cinco dias da semana, sendo que nos outros, o paciente retornava ao convívio familiar.

Com a admissão de um paciente cuja família não morava nas proximidades, a equipe instala o paciente em um apartamento alugado e aloca um profissional que acompanhasse durante os horários em que a instituição estava fechada, auxiliando-o a organizar o apartamento e na realização de atividades externas de lazer. Esse profissional foi nomeado como amigo qualificado. Também outros pacientes em situação semelhante foram aos poucos admitidos no hospital e mais outros profissionais foram responsabilizados desses acompanhamentos. Como um entre eles, não tinha condições de morar sozinho em uma casa, um terapeuta se dispõe a morar com o paciente. Porém esse profissional foi absorvido pela situação e a “intensidade desta convivência provocará uma mistura de mundos tal que paciente e terapeuta se confundiram” (p.232).

Outra denominação foi adotada por causa do mal entendido que o termo amigo qualificado causava; o profissional responsável por um vínculo mais próximo e mais acolhedor passou a se chamar acompanhante terapêutico. Espaços de supervisão foram admitidos de forma regular para apoiar esse trabalho, para instigar que nos trabalhadores envolvidos nessas atividades a necessidade refletir sobre si mesmos, analisar os fenômenos de transferência e contratransferência e retirar um aproveitamento máximo de suas experiências com o paciente de modo a orientar o trabalho.

Algumas ponderações foram construídas nesses espaços de supervisão e são citados pelo autor como pontos importantes de reflexão para o trabalho com esses pacientes em acompanhamento terapêutico. O paciente deveria ser tomado como pertencente a diversos grupos e estruturas que compõe a sua subjetividade. Por isso, sua subjetividade seria grupal e ao estar diante de um outro, o terapeuta por exemplo, haveria um encontro envolvendo um grupo paciente com um grupo terapeuta. As ações do terapeuta deveriam funcionar como interpretações e não como ações aleatórias, ou seja, careciam de um sentido preciso; o que foi nomeado como ação interpretativa. O setting não poderia mais ser compreendido como restrito ao espaço físico, mas implicava essencialmente na presença do terapeuta e do paciente; tratava-se do setting ambulante. As intervenções que visavam “invadir a vontade e a pseudo-autonomia de escolha” dos pacientes, tendo em vista mudanças de vida do paciente foram denominadas como violência necessária. Essas foram idéias que surgiram entre o grupo de acompanhantes para a construção de uma clínica de pacientes psicóticos.

O Acompanhamento Terapêutico é utilizado no Instituto A Casa desde 1982 e é tido como prática que possibilita aproximar o psicótico e seu acompanhante da realidade social, de forma que essa relação pode contribuir pra a terapêutica daquele portador de sofrimento psíquico, a partir de intervenções que englobem tanto a psicose quanto a forma que a loucura afeta e é tratada pela sociedade. O conceito de acompanhamento terapêutico trabalhado neste texto advém da condensação da experiência dos profissionais do Instituto A Casa.

Desta forma, o acompanhante terapêutico trabalha buscando espaços e oportunidades de reinserção daquele indivíduo na sociedade, aproveitando as possibilidades que o psicótico pode oferecer bem como os espaços da sociedade onde isso pode ser incorporado. Ou seja, é restaurar um laço com a sociedade que muitas vezes foi tirado daquele portador de sofrimento mental e que visa muito mais a exploração dos recursos que aquele indivíduo tem no que diz respeito a capacidade criativa e adaptativa do que medidas que tenham a intenção de trabalhar a estrutura psíquica daquele sujeito.

Ao acompanhar o sujeito psicótico na cidade, o acompanhante terapêutico elabora um guia mapeando todos os locais visitados pela dupla e classifica-o de zero a cinco estrelas, tomando como critério a integração do sujeito com o espaço, na medida em quanto favorece a conexão e integração do mesmo à realidade social ali disposta.

A grande importância desse trabalho é a ação do sujeito portador se sofrimento psíquico de ir até esses lugares, que poderão favorecer a sua interação e conexão com a sociedade, de forma que essa relação ao ser minimamente restaurada dá uma vitalidade ao indivíduo que vai distanciá-lo da morte psíquica.

Atualmente o instituto A Casa se apresenta da seguinte forma:

Consultório do instituto casa
A equipe técnica do Ambulatório do Instituto "A CASA" carrega a marca e a filosofia de trabalho dos 29 anos de experiência desta instituição. O Instituto "A CASA", desde a sua fundação, preocupa-se em oferecer um tratamento especializado e moderno. É fundamentado na valorização da pessoa, na subjetividade do indivíduo, nas questões familiares e sociais que permeiam o adoecer psíquico e na inclusão deste cidadão à sociedade.

Tipos de atendimentos
- Individual
- De grupo

Modalidades de atendimentos
- consulta psiquiátrica
- psicoterapia individual
- psicoterapia de grupo
- terapia de casal
- terapia familiar
- consulta domiciliar
- acompanhamento terapêutico
- orientação vocacional e familiar

A quem a instituição presta atendimento?
- adolescentes
- adultos
- idosos

De quem a instituição trata?
- Pessoas com dificuldades pessoais na família, no trabalho, na escola, nos relacionamentos afetivos
-Pessoas com transtorno do pânico e fobias
-Dependentes de álcool e outras drogas
-Familiares de pacientes.

O interessante dessa técnica é o compromisso ético. Assim as idéias abaixo definem bem o que propõe A Casa desde sua concepção e principalmente atualmente.

Os desafios da contemporaneidade impõem aos profissionais de psicologia um posicionamento crítico e a criação de novas formas de intervenção. Com a crise dos modelos disciplinares, tradicionais no campo da saúde, surgem alternativas de tratamento. No livro a rua como espaço clínico, Sereno e Porto definem o acompanhamento terapêutico como a prática de saídas pela cidade, acompanhando o sujeito na circulação social, num esforço de criar marcas, de tecer fios que permitam enlaçá-lo, com sua estrutura psíquica peculiar, ao tecido social. O acompanhamento terapêutico pode ser descrito como uma clínica em ato, onde o setting é a cidade: a rua, a praça, a casa, o clube. Uma clínica onde não só a palavra, mas também o corpo e os gestos contam.

Foucault, Goffman, Castel E Basaglia podem ser apresentados como nomes cruciais na crítica das instituições totais, sobretudo as da área de saúde. Segundo Goffman, a falência da subjetividade através da mortificação do eu é uma das conseqüências da internação de longo prazo nas instituições totais. O autor revela que a sociedade do bem camufla a violência das instituições totais estendendo a concessão do poder aos técnicos. O tecnicismo segundo ele seria o pólo de dominação violenta. Afim de quebrar com o poder da técnica Goffman propõe que as instituições sejam abertas.




Referências:
BERGER, Eliane; MORETTIN, Adriana Victorio e NETO, Leonel Braga. Introdução à clínica do acompanhamento terapêutico: História. In: A Rua como espaço clínico: Acompanhamento Terapêutico. Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia A Casa (org). São Paulo: Escuta, 1991.
FULGÊNIO JR., Leopoldo P. Interpretando a História. Acompanhamento Terapêutico de Pacientes Psicóticos no Hospital-Dia A Casa. in A Rua como espaço clínico: acompanhamento terapêutico. Equipe de acompanhantes terapêuticos do Hospital-Dia A Casa. São Paulo: Escuta, 1991.
VIEIRA, Priscila Piazentini. Reflexões sobre A História da Loucura de Michel
Foucault. In: Revista Aulas. ISSN 1981-1225. Dossiê Foucault. N. 3 – dezembro 2006/março 2007. Organização: Margareth Rago & Adilton Luís Martins. Disponível em http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/24.pdf.
Rolim, Marcos. Ensaios: A nau dos loucos. 1991. Disponível em http://www.rolim.com.br/ensaio2.htm
http://www2.acasa.com.br